Noções Básicas de Genética
Por
certo já várias vezes se juntaram duas aves na esperança de que produzissem
crias da cor de um dos pais e no final se obteve quase todas as cores possíveis
menos o que queríamos.
Quando
me refiro às cores é por acaso, pois podia fazê-lo em relação a variados
factores como o porte, tamanho, qualidades reprodutoras, entre outros. A
transmissão de certas características de pais para filhos é regida por leis que
são a base da genética que devemos conhecer.
É
importante saber que alguns factores são também ambientais e nem sempre é fácil
dinstingui-los. Por exemplo uma ave que permaneça no ninho por dois meses (como
alguns psitacídeos) se não tiver uma alimentação adequada particularmente em
vitaminas e cálcio pode ficar com problemas de pernas. Agora imaginemos que
essa ave era um macho com qualidades extraordinárias como uma nova cor de
plumagem. Muita gente acabaria por não o usar na reprodução, mas o facto é
que os problemas que ele mostra não são transmissíveis aos filhos pois a sua
causa foi ambiental e, com uma alimentação correcta, quase de certeza que os
seus descendentes não teriam quaisquer problemas de pernas.
Foi
por situações semelhantes que algumas mutações ganharam fama de serem muito
sensíveis ou até mesmo letais erradamente. Veja-se o caso dos mandarins de
bochecha negra onde o cruzamento de dois recessivos ainda é
"proibido" pelo surgimento de alguns indivíduos melanísticos que
morriam sem deixar descendentes e por causas inteiramente ambientais, devidas a
deficiências nutritivas.
Não
quero dizer que podemos usar todos os reprodutores com problemas, não, pelo
contrário! Devemos é tentar perceber a causa desses problemas e
certificarmo-nos que é genética e transmissível antes de eliminarmos aves com
bom potencial genético. Para melhorar a qualidade das nossas aves é essencial
eliminar algumas delas retirando os seus genes das linhas de reprodução, mas
estas aves poderão facilmente preencher as necessidades de uma principiantes e
são até por vezes muito boas.
Todo o
indivíduo é o resultado da interacção de genética e ambiente. Um bom exemplo
disto são os canários de factor vermelho. Por muito boa que seja a genética dos
pais se os filhos não receberem os suplementos necessários durante a muda nunca
ganharão toda a cor pretendida. Este exemplo é perfeito para percebermos como
as coisas se combinam, aqui a genética influencia o modo como o pigmento é absorvido
e distribuido pela plumagem mas o ambiente é que controla a quantidade de
pigmento que a ave tem para distribuir na plumagem. Suponhamos agora que o
criador se esquecia de administrar os corantes necessários numa época mas sabia
ter um bom cruzamento com resultados já dados em anos anteriores. Não era por
os filhos serem laranjas que não poderia ficar com alguns para reprodução,
muito provavelmente se na época seguinte fornecesse na alimentação os pigmentos
necessários os descendentes desses filhos poderiam exprimir toda a sua
capacidade genética.
Antes
de podermos compreender os mecanismos genéticos em si é importante conhecer
alguns termos.
Genótipo: constituição genética do indivíduo.
Fenótipo: Aparência do indivíduo em parte
como consequência do seu genótipo e ambiente.
Loci (pl) Locus (sing): Localização
específica de uma característica (alelo) num cromossoma.
Um par de alelos
(gene) tem loci iguais cada um transportando um diferente alelo podendo ou não
ser afectados por esses outros alelos.
Gene: Unidade de informação hereditária. É uma zona específica do
DNA dos indivíduos que contém codificada a informação para a síntese de uma
determinada proteína.
Alelo: cada
umas das formas alternativas de um gene, que pode ocupar o respectivo locus e
cujo número varia. A representação normal é feita por meio de uma letra.
Cromossoma: Unidade do genótipo que contém um grande número de genes.O
número de cromossomas é específico para cada espécie.
Autossómico: As características herdadas
são regidas pelos genes localizados em cromossomas não determinantes do sexo.
Factores ligados ao sexo ("Sex-linked"): Características herdadas através dos cromossomas sexuais.
No caso das aves os machos possuem um par de cromossomas Z e as fêmeas um
cromossoma Z e um cromossoma W. Considera-se que estas características estão
baseadas no cromossoma masculino Z, podendo ser herdadas numa só cópia pelas
fêmeas e em uma ou duas pelos machos.
Homozigóticos: a presença de dois alelos
semelhantes no loci correspondente do mesmo gene. Aplica-se a genes
autossómicos mas também pode ser aplicado a características ligadas ao sexo nos
machos.
Heterozigótico:a presença de dois alelos diferentes nos loci do mesmo gene.
Aplica-se a genes autossómicos mas também pode ser aplicado a características
ligadas ao sexo nos machos.
Recessivo: carcaterísticas expressas no
fenótipo só quando existem dois alelos para essa característica nos loci do
mesmo gene, caso contrário o efeito desse alelo não é visível, excepto no caso
das fêmeas com mutações ligadas ao sexo.
Dominante: caraterísticas que são expressas
no fenótipo mesmo quando só está presente um alelo. Quando combinadas com um
outro alelo recessivo dominam-no.
Portador: indicado "/": indivíduo
que embora não o demonstre no seu fenótipo transporta alelos recessivos ou
ligados ao sexo mas que estão escondidos por outro gene, podendo mesmo assim
ser transmitidos à descendência.
FS: Factor Simples. Apenas está presente
um alelo para a característica. Usa-se para diferenciar os indivíduos que,
expressando um fenótipo dominante não são puros e transportam outros alelos
recessivos.
FD: Factor Duplo. Estão presentes dois
alelos para a característica. Apenas faz sentido quando usado para indentificar
indivíduos dominantes puros, i.e., com dois alelos dominantes.
Cruzamentos teste
Este
cruzamento é feito com um indivíduo homozigótico recessivo para o factor que se
pretende estudar, que facilmente se identifica pelo seu fenótipo e um outro de
genótipo conhecido ou não. Por exemplo se cruzarmos um macho desconhecido com
uma fêmea recessiva podemos determinar se o macho é portador daquele caracter
recessivo ou se é puro. Caso este seja puro todos os filhos serão como ele, se
fôr portador 25% serão brancos, etc... Esta explicação é muito básica pois
geralmente é preciso um pouco mais do que este único cruzamento.
A
limitação destes cruzamentos está no facto de não permitirem identificar
portadores de alelos múltiplos para a mesma característica ou seja podem
existir em alguns casos mais do que dois alelos para o mesmo gene e o efeito da
sua combinação variar. Além disso podemos estar a cruzar para um factor para o
qual o macho ou fêmea a testar não são portadores mas serem para outros.
Factores ligados ao Sexo
Existem diversas mutações em muitas espécies que são controladas e transmitidas
por este mecanismo genético, pelo que é importante que se compreenda o seu
funcionamento.
Por
definição, e no caso das aves, os factores ligados ao sexo estão no cromossoma
sexual masculino Z. Isto é muito importante porque enquanto os outros factores
nos cromossomas autossómicos são transportados em pares em todos os indivíduos
de ambos os sexos, neste caso os machos transportam dois cromosomas Z e as
fêmeas apenas um. Esta situação é o inverso do que sucede com os mamíferos onde
é o sexo masculino que têm uma situação de herozigotia sexual com um
cromossomas X e um Y, enquanto as fêmeas são XX.
Por
exemplo uma fêmea Gould amarela tem um único gene co-dominante para costas
amarelas e contudo tem costas totalmente amarelas e nunca diluídas (como no
caso das machos onde o amarelo perde intensidade em heterozigóticos).
Quando
da fertilização os óvulos produzidos pela fêmea transportam ou um cromossoma Z
ou W ao qual sevai juntar um cromossoma Z proveniente do macho reformando o par
ZZ ou ZW conforme a combinação. Assim todos os genes que a mãe tiver no seu
cromossoma Z são passados aos filhos macho (pois recebem um cromossoma Z da
mãe), enquanto que os filhos fêmea recebem o cromossoma W ao qual se junta um
dos Z do macho. É por isso que com mutações ligadas ao sexo os machos podem
produzir descendência com essa mutação (sempre fêmeas) mas para se produzirem
machos também de mutação temos sempre de ter uma fêmea já mutada e um macho no
mínimo portador (em que apenas existe o gene mutado num dos dois cromossomas
Z).
Entende-se
por selecção a escolha não aleatória dos reprodutores de modo a que estes
transmitam determinadas características às gerações seguintes. Desde sempre que
o homem faz selecção artificial de várias coisas, cruzando animais com força a
outros com grande tamanho, plantas de frutos grande com outras que produzem
mais frutos, mas de menores dimensões ou melhor qualidade.
Também
nas aves se vêem seleccionando à já vários séculos características específicas.
Na Idade média faziam-se concursos de tentilhões para ver qual cantava melhor
vencendo os seus rivais. Foi assim que se chegou a criar novas espécies como o
bengalim do japão ou todas as variedades de canário a partir da ave selvagem.
Para
seleccionarmos temos antes de mais que assegurar que aquele casal apenas
acasala entre si, pelo que convém separá-lo de outros da mesma espécies e de
espécies intercruzáveis. Tem de ser referido um factor que muitas vezes é
esquecido por quem começa e por quem já sabe do ofício e leva a desilusões
frequentes. Quando se fala de selecção esta apenas faz sentido numa linha e
raramente em indivíduos isolados. Ou melhor a selecção individual dos
indivíduos deve ter em vista a melhoria de uma linha, semelhante ou não. Não
podemos esperar que num único cruzamento se melhore a qualidade das aves isso
sucede ao longo das gerações conforme vamos mantendo os melhores exemplares e
reproduzindo com eles. É errado pensar que comprando uma ave muito boa se pode
fazer milagres, muitas vezes é desperdiçar de tempo e dinheiro, é rpeciso
aprender o que se precisa, o que se tem e o que se quer melhorar nas gerações
futuras.
Depois
temos de saber o que queremos produzir e como esse factor é transmitido
geneticamente. O modo empírico e mais usual é usar aves que mostrem aquela
caraterística específica e cruzá-las entres si, para depois esperar que os
filhos demonstrem ainda mais aquele factor, mas nem sempre isto funciona, é
mais adequado para trabalhar e melhorar mutações já establecidas.
Uma
linha pura é aquela em que todos os indivíduos têm uma constituição genética
idêntica e originam descendentes idênticos, sendo o resultado do cruzamento
previsível.
Arranjar
linhas puras é complicado e envolve muito tempo de trabalho, em especial com
espécies que se reproduzem pouco e atingem a maturidade sexual muito tarde.
Assim, na minha opinião por vezes vale a pena pagar mais por uma ave e
adquiri-la a um criador que nos pode dar algumas garantias e informações sobre
os seus antepassados. Isso não invalida o que eu disse anteriormente sobre aves
de grande potencial não fazerem por si uma linha. O maior erro de muita gente
com efectivos de qualidade média è pensar que pode comprar uma ave muito boa
(geralmente pensa-se sempre no tamanho...) e melhorar todo o efectivo a partir
dela, o que leva em pouco tempo a efeitos contrários de consaguinidade.
Para
obtermos uma linha pura NUNCA podemos trabalhar apenas com uma ou duas aves,
nem mesmo com um só casal. Se dispusermos de pelo menos dois casais de origens
distintas, mas com as mesmas características que queremos seleccionar, podemos
intercruzar os filhos e eliminar todos aqueles que não se enquadrem no
pretendido. Desse novo cruzamento devemos obter alguns exemplares puros que
depois vamos usar em combinações ou cruzamentos com outras aves para fixar a
característica.
Mesmo
assim o mínimo para fixar uma linhagem são 3 casais distintos, de preferência 4
ou 5. Só assim podemos garantir que existe suficiente variebilidade genética
dentro do efectivo para assegurar uma melhoria nas gerações futuras. A
variabilidade genética é a base de TODA a evolução, perseguir linhas uniformes
é utópico pois acaba por invalidar avanços futuros. Só podemos escolher os
melhores em gerações sucessivas se ouver alguns melhores que outros!! E
sobretudo melhores que os pais o que se consegue juntando os pontos fortes dos
reprodutores.
Este é
outro dos pontos em que muitas vezes se erra. Não existe qualquer problema em
cruzar irmãos com irmãos ou filhos com pais desde que se saiba como fazê-lo. Na
realidade este é o método mais rápido e eficaz de fixar uma característica
porque a base genética é semelhante.
Quando
se faz isto tem de se partir de um casal não relacionado, isto é os pais nunca
poderão ser da mesma linha. O melhor portanto é tentar adquiri-los em sítios
diferentes. Dito isto, a descendência que esse casal produz pode ser cruzada
entre si escolhendo os melhores exemplares (tamanho, porte, cor). Desse
cruzamento escolhemos de novo os melhores mas agora para cruzar com uma ave
semelhante de outra linha que não a dos pais ou irmãos. Podemos por exemplo
usar uma fêmea e adquirir um outro macho. Deste modo quebramos imediatamente a
depressão por consaguinidade nos descendentes do terceiro cruzamento. Tambén já
tive uma situação em que depois de procurar por uma determinada ave que queria
não fosse relacionada com as que já tinha, depois de finalmente a encontrar
(bem longe de casa) regressei e fiquei muito surpreendido ao ver que o número
de criador de ambas era o mesmo...
A
consanguinidade resulta do acumular de genes com efeitos negativos, diminuindo
o tamanho e vigor das aves. Quando se começa a partir de boas linhas
reprodutoras que estão "isentas" de genes desfavoráveis é aceitável a
consaguinidade e perdermos nuns pontos para obter uma ave com uma boa
característica específica a partir da qual vamos establecer cruzamentos para
recuperar o que foi perdido, geralmente tamanho e fertilidade.
O
cruzamento a seguir vai depender do tipo de mecanismo genético da
característica a trabalhar.
Caracteres recessivos
Para
os caracteres controlados por um mecanismo autossómico recessivo temos de
produzir reprodutores que sejam ou homozigóticos recessivos ou, no mínimo,
portadores desse alelo recessivo. Só assim conseguiremos obter descendentes que
manifestem essa característica.
Partindo
de um único macho devemos primeiro produzir uma geração de portadores o que se
consegue cruzando o macho recessivo com uma fêmea pura dominante para esse
alelo (ou vice-versa). Todos os filhos serão fenotipicamente idênticos à mãe
mas portadores do alelo recessivo. Aqui devemos escolher dois filhos e
cruzá-los de modo a obtermos 25% de descendentes que são recessivos tal como o
primeiro macho. Esses vão ser acasalados com outras fêmeas de uma outra linha
que não a da sua mãe de modo a fazer duas linhas distintas de portadores. Deste
modo conseguimos obter duas linhas com apenas 25% de consaguinidade e que podem
ser cruzadas entre si sem grandes problemas.
Os
cruzamentos entre dois portadores não são recomendáveis porque nunca poderemos
saber quais os filhos portadores e os não portadores pois estes são
fenotipicamente iguais, daí que quando se pretenda evitar o cruzamento de dois
recessivos devamos usar sempre ou um recessivo e um dominante (obtendo todos os
descendentes portadores) ou então um recessivo e um portador (obtendo 50%
recessivos e 50% portadores). Em alguns casos não há alternativa senão cruzar
portadores mas, em especial para quem tem poucos intresses de selecção fiquem
conscientes que isso é "espalhar genética" que pode muito bem ir parar
às mãos de alguém que não trate de aproveitar uma característica rara por não
saber que ela existe naquela ave...
Caracteres recessivos ligados
ao sexo
São
mais fáceis de trabalhar apenas por serem ligados ao sexo. Assim basta
pensarmos numa coisa, os machos vão sempre produzir fêmeas recessivas e machos
portadores independentemente da fêmea com que sejam acasalados. Por seu lado as
fêmeas vão produzir todos os machos portadores. Para obtermos machos recessivos
precisamos de que a fêmea seja recessiva e o macho, no mínimo portador, o que
até é preferível em relação ao acasalamento de dois recessivos neste caso.
Caracteres
Dominantes
A
dominância é um pau de dois bicos. É fácil de trabalhar porque produz sempre o
que queremos mas temos de ter cuidado com o que escondemos, não devemos cruzar
dominantes com aves portadoras de caracteres recessivos raros ou não pois nunca
iremos saber quais os filhos portadores.
Alguns
factores dominantes não devem ser criados em factor duplo (os Gloster de
poupa). De qualquer modo um dominante FS produz 50% de descendentes dominantes,
o que até é bom porque um gene dominante é tão fácil de reproduzir que pode
passar de raro a excessivo num efectivo em apenas 2 ou 3 gerações! Este é outro
problema quando se trabalha em selecção, muitas vezes, para mais se trabalhamos
com portadores e combinações, acabamos por ocupar muito espaço muito depressa.
Com os dominantes é ainda mais grave porque basta ficarmos com uma cria para
que metade dos seus descendentes sejam também dominantes, raramente se refuga
os pais e assim é preciso uma nova gaiola, um novo casal, uma nova cria que sai
bastante boa e acaba por ficar e assim em diante...